sábado, 22 de janeiro de 2011

Aborto e sociedade

De acordo com a constituição brasileira, o aborto, salvos os casos de estupro e risco de vida da mulher, é uma prática ilegal, sendo as mulheres que realizarem a prática estando sujeitas a cumprirem até três anos de prisão. O objetivo deste post é exatamente discutir se tal regra é de fato plena.
A ilegalidade do aborto torna complicada a existência de pesquisas específicas sobre a freqüência com que essa prática ocorre, e as mulheres se sentem inibidas em relatar a prática, tanto por ser um crime, tanto pelas sanções sociais que ela implica. Em um estudo feito em São Paulo, chegou-se à estimativa de que 80% e 88% das mulheres entrevistadas omitiram ter realizado o aborto.
Diversas técnicas utilizadas tentam, então, contornar o problema. Nesse sentido, uma pesquisa recente, de 2010, realizada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília, realizou a Pesquisa Nacional do Aborto em que utilizou-se uma metodologia na qual a entrevistada não poderia ser correlacionada com suas respostas. Tal método pretendia minimizar os casos de não resposta.
Os dados da PNA foram de certa forma alarmantes. Das 2002 mulheres entrevistadas, foi constatado que 15% delas já realizaram algum aborto na vida. Além disso, mostrou-se que, ao fim da vida reprodutiva, cerca de uma em cada cinco mulheres já realizaram o aborto.  Considerando que a pesquisa só envolveu mulheres do centro urbano, alfabetizadas e com idades entre 29 e 39 anos e que o questionário abordava apenas a prática do aborto, sem caracterizar quantos foram feitos, o número de abortos realizados no Brasil devem ser bem maiores.
Mas quais as implicações dessa pesquisa?
A meu ver, as leis de um país ou sociedade devem, primeiramente, primar pelo bem das pessoas que o integram. E isso parece bem intuitivo. Mas como saber o que é o bem para as pessoas? Imaginamos sempre o sentido contrário das coisas: o judiciário rege nossas vidas. Mas quem fez e hoje compõe o judiciário e os outros poderes? Não seriam nada mais nada menos do que nós mesmos, a população brasileira? Nesse sentido, uma lei deveria ser uma regra, mantida pelo estado, e que pretende defender o que as pessoas daquele estado consideram certo.
Pois bem, mas e no caso do aborto? Sabendo que as mulheres compõem pouco mais da metade da população brasileira e que, dentre essas mesmas mulheres, até mais de 1/5 delas algum dia farão um aborto, parece mesmo que a visão geral é de que o aborto deveria ser algo proibido? Considere ainda todas as pessoas que são a favor do aborto, mas que nunca chegarão a fazer (no caso de homens, por exemplo). Tais pessoas também contam para a opinião geral. Assim, soa que essa lei realmente corresponde ao que a população brasileira pensa sobre o assunto? Será que ao menos discussões sobre a possibilidade do aborto não deveriam ocorrer?
É importante frisar o termo possibilidade, pois ele tem toda relação com a discussão. Uma lei proibitiva impõe uma proibição, na forma de pena, de realizar um ato. Nesse caso, sendo a favor ou contra o aborto, não importa: é proibido fazê-lo. Mas e uma lei permissiva? Já ela não obrigada ninguém a nada. Apenas abre a possibilidade. No caso do aborto, uma lei desse tipo não obrigaria pessoas contrárias à prática a realizarem o aborto. Apenas garantiria o direito daquelas que acreditam nisso, o que a mim, nesse caso, soa justo.

E aí? Vale a pena discutirmos?

Nathalia M. de Vasconcelos

Referências:
Diniz, D.; Medeiros, M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciência Saúde Coletiva, 15: 959 - 966, 2010.
Menezes, G.; Aquino, E. M. L.; Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública, 25: S193-S204, 2009.

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